segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Carta de Pero Vaz de Caminha e Intertextualidade (Música)

        A literatura de informação, característica da época do quinhentismo, representou os primeiros relatos da terra récem descoberta e por esse motivo serviu de base para textos romanticos, modernistas e até mesmo para músicas.
         Uma das música que utiliza do artifício da intertextualidade é Índios de Renato Russo, veja o trecho da carta, a música e também a análise e comente o que achou dela.

(...)
Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo dela: não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados. Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e, se alguma coisa provaram, logo a lançaram fora. Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes a água em uma albarrada. Não beberam. Mal a tomaram na boca, que lavaram, e logo a lançaram fora. Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo. Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não o queríamos nós entender, porque não lho havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera. Então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir, sem buscarem maneira de cobrirem suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas. O Capitão lhes mandou pôr por baixo das cabeças seus coxins; e o da cabeleira esforçava-se por não a quebrar. E lançaram-lhes um manto por cima; e eles consentiram, quedaram-se e dormiram. (...)
(Pero Vaz de Caminha. In: Maria da Conceição Castro.. Língua e Literatura. vol1. SP:
Saraiva, 1994)

MÚSICA: Índios 
Quem me dera
Ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro
Que entreguei a quem
Conseguiu me convencer
Que era prova de amizade
Se alguém levasse embora
Até o que eu não tinha

Quem me dera
Ao menos uma vez
Esquecer que acreditei
Que era por brincadeira
Que se cortava sempre
Um pano-de-chão
De linho nobre e pura seda

Quem me dera
Ao menos uma vez
Explicar o que ninguém
Consegue entender:
Que o que aconteceu
Ainda está por vir
E o futuro não é mais
Como era antigamente.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Provar que quem tem mais
Do que precisa ter
Quase sempre se convence
Que não tem o bastante
Fala demais
Por não ter nada a dizer.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Que o mais simples fosse visto
Como o mais importante
Mas nos deram espelhos
E vimos um mundo doente.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Entender como só Deus
Ao mesmo tempo é três
Esse mesmo Deus
Foi morto por vocês
É só maldade então
Deixar um Deus tão triste.

Eu quis o perigo
E até sangrei sozinho
Entenda!
Assim pude trazer
Você de volta pra mim
Quando descobri
Que é sempre só você
Que me entende
Do início ao fim.

E é só você que tem
A cura do meu vício
De insistir nessa saudade
Que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Acreditar por um instante
Em tudo que existe
E acreditar
Que o mundo é perfeito
Que todas as pessoas
São felizes...

Quem me dera
Ao menos uma vez
Fazer com que o mundo
Saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz
Ao menos obrigado.

Quem me dera
Ao menos uma vez
Como a mais bela tribo
Dos mais belos Índios
Não ser atacado
Por ser inocente.

Eu quis o perigo
E até sangrei sozinho
Entenda!
Assim pude trazer
Você de volta pra mim
Quando descobri
Que é sempre só você
Que me entende
Do início ao fim.

E é só você que tem
A cura pro meu vício
De insistir nessa saudade
Que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Nos deram espelhos
E vimos um mundo doente
Tentei chorar e não consegui.
(Legião Urbana. Disponível em: www.vagalume.com.br. Acesso em 25/11/2010).


ANALISANDO:
O trecho da carta de Caminha e a música Índios tratam do mesmo tema: a chegada dos portugueses ao Brasil, o primeiro contato com os índios, a busca por ouro e a conseqüente exploração da nossa terra. Caminha descreve o primeiro encontro entre os índios e o capitão da embarcação portuguesa na postura de colonizador. O autor da música fala deste e de outros fatos relacionados, porém, sob a ótica do colonizado. O escrivão português demonstrou grande interesse em descrever o povo que habitava a terra nova, numa visão bastante interessante, usando parâmetros da civilização européia, nada adequados à observação de povos indígenas. Na música, é apresentada uma visão bem crítica dos fatos, possibilitada pelo indispensável distanciamento histórico.
Na música, a repetição da expressão ‘quem me dera ao menos uma vez’ traduz talvez o desejo do autor de voltar ao passado e mudar a história, tentar compreender os fatos ou até mesmo demonstrar alguma atitude perante eles e não somente assistir a tudo passivamente. O oferecimento de bugigangas, representadas por espelhos na música, seria o prenúncio de que os portugueses levariam nossas riquezas (pau-brasil, açúcar, ouro...) em troca de quase nada ou nada em troca.
Na sexta estrofe, o conceito da Trindade (um Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo em uma só pessoa) nos remete à catequização dos índios. Para eles, este conceito era tão incompreensível quanto o fato de Jesus ser morto pelo branco (vocês), e Deus, que também é Jesus, continuar vivo e adorado pelos brancos.
Na oitava estrofe se acentua o tom irônico, presente ao longo da música, (seria prova de amizade alguém levar até o que eu não tinha?) quando o autor expressa o desejo de acreditar num mundo perfeito, em meio à hipocrisia de um mundo doente e de pessoas ingratas como se nota na nona estrofe.
 
 
 
 
O que acham da música? Concordam que é uma intertextualidade com a Carta de Caminha ?

Beijos, Camyla Rolim

2 comentários:

  1. Sim, concordo plenamente.
    A música "ÍNDIOS" é um texto em verso como uma reflexão ao texto em prosa da carta do escrivão português Pero Vaz de Caminha, onde o índio foi sendo ludibriado e a terra devastada. E a consequência disso ainda se ver até os dias atuais, onde a população indígena vem perdendo seu espaço, as reservas estão sendo invadidas por grilagens ou por construções de estádios.
    ISSO É UM DESRESPEITO COM A BASE DE NOSSA CULTURA

    ResponderExcluir
  2. A carta de Caminha e a música Índios tratam da chegada dos portugueses ao Brasil, o primeiro contato com os índios e a exploração da nossa terra. Caminha descreve o primeiro encontro entre os índios e os portuguesa na postura de colonizador. O autor da música fala deste fato porém, sob a visão do colonizado.Na música, a repetição da expressão ‘quem me dera ao menos uma vez’ traduz o desejo de voltar ao passado e mudar a história. O oferecimento de bugigangas, representadas por espelhos na música, seria o indício de que os portugueses levariam nossas riquezas em troca de quase nada.Na sexta estrofe, o conceito da Trindade nos remete à catequização dos índios,que não tinham nenhuma religião e achavam estranha a que era emposta a eles pelos portugueses.Quando o autor fala (seria prova de amizade alguém levar até o que eu não tinha?) expressa o desejo do índio em acreditar num mundo perfeito, em meio à hipocrisia de um mundo doente onde as pessoas ligam apenas para o que tem valor e para se própria.

    ResponderExcluir